Total de visualizações de página

domingo, 21 de agosto de 2011

Ele me consagrou pela unção


  • Isaías 42, 1-4.6-7; Atos 10, 34-38; Mateus 3, 13-17
    O próprio Jesus deu uma explicação do que lhe aconteceu no batismo no Jordão. Ao voltar, na sinagoga de Nazaré aplicou a si mesmo as palavras de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim: me consagrou com a unção…». O mesmo termo de unção é utilizado por Pedro na segunda leitura, falando do batismo de Jesus: «Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder».
    Trata-se de um conceito fundamental para a fé cristã. Basta dizer que o nome Messias em hebreu e Christos em grego significam exatamente isso: Ungido. Nós mesmos, diziam os antigos Padres, recebemos o nome de cristãos porque fomos ungidos à imitação de Cristo, o Ungido por excelência. A palavra «ungido», em nossa linguagem, tem muitos significados, não totalmente positivo. Na Antigüidade, a unção era um elemento importante da vida. Ungiam-se com óleo os atletas para estarem soltos e ágeis nas corridas, e se ungiam com óleo perfumado homens e mulheres para ter o rosto belo e resplandecente. Atualmente, com estes mesmos objetivos, existe à disposição uma infinidade de produtos e cremes em grande parte derivados de diferentes tipos de óleos.
    Em Israel o rito tinha um significado religioso. Ungiam-se os reis, os sacerdotes e os profetas com um ungüento perfumado e este era o sinal de que estavam consagrados ao serviço divino. Em Cristo, todas estas unções simbólicas se tornam realidade. No batismo no Jordão, Ele é consagrado rei, profeta e sacerdote eterno por Deus Pai. Não com um óleo físico, mas com o óleo espiritual que é o Espírito Santo, “o óleo da alegria”, como o define um salmo. Isso explica por que a Igreja dá tanta importância à unção com o santo crisma. Existe um rito de unção no batismo, na confirmação e na ordenação sacerdotal; existe uma unção dos enfermos (antigamente chamado de “extrema-unção”). É porque através destes ritos se participa na unção de Cristo, isto é, em sua plenitude de Espírito Santo. Uma pessoa é literalmente “cristã”, isto é, ungida, consagrada, pessoa chamada – diz Paulo – «a difundir no mundo o bom odor de Cristo».
    Procuremos ver o que tudo isso diz aos homens de hoje. Atualmente, está na moda falar de aromaterapia. Trata-se do emprego de óleos essenciais (ou seja, os que exalam perfume) para a manutenção da saúde ou para a terapia de alguns transtornos. A internet está cheia de anúncios de aromaterapia. Não se contenta em promover com eles o bem-estar físico. Existem também «perfumes da alma», por exemplo «o perfume da paz interior».
    Não corresponde a mim emitir um juízo sobre esta medicina alternativa. Contudo, vejo que os médicos convidam a desconfiar desta prática que não está cientificamente provada e que inclusive implica, em alguns casos, contra-indicações. O que desejo expressar é que existe uma aromaterapia segura, infalível, que exclui toda contra-indicação: a que está feita à base do aroma especial, do ungüento perfumado, que é o Espírito Santo!
    Esta aromaterapia feita de Espírito Santo cura as doenças da alma e às vezes, se Deus quer, também as do corpo. Há um canto spiritual afro-americano no qual não se faz mais que repetir continuamente estas poucas palavras: «Há um bálsamo em Gilead que cura as almas feridas» (There is a balm in Gilead / to make the wounded whole…). Gilead, ou Galaad, é uma localidade famosa no Antigo Testamento por seus perfumes e ungüentos (Jr 8, 22). O canto prossegue dizendo: “Às vezes me sinto desanimado e penso que tudo é em vão, mas então o Espírito Santo reaviva a minha alma” (Sometimes I feel discouraged and think my work’s in vain but then the Holy Spirit revives my soul again). Gilead é para nós a Igreja, e o bálsamo que cura é o Espírito Santo. Ele é o rastro de perfume que Jesus deixou ao passar por esta terra.
    O Espírito Santo é especialista nas doenças do matrimônio. O matrimônio consiste em dar-se um ao outro: é o sacramento de tornar-se dom. E o Espírito Santo é o dom feito pessoa: a doação do Pai ao Filho e do Filho ao Pai. Onde Ele chega, renasce a capacidade de tornar-se dom e, com ela, a alegria e a beleza de viver juntos.
    O filósofo Heidegger lançou um juízo alarmado sobre o futuro da sociedade humana: “Só um Deus pode nos salvar”, disse. Pois eu digo que este Deus que pode nos salvar existe: é o Espírito Santo. Nossa sociedade precisa de doses massivas de Espírito Santo.
    Frei Raniero Catalamessa – Pregador da Casa Pontifícia

A ternura de Jesus para com os pecadores


  • A parábola é introduzida com estas palavras: «Costumavam aproximar-se de Jesus os publicanos e os pecadores para escutá-lo. E os fariseus e os escribas murmuravam entre si: ‘Esse acolhe os pecadores e come com eles’. Então Jesus lhes disse esta parábola…» (Lc 15, 1-2). Seguindo esta indicação, queremos refletir sobre a atitude de Jesus para com os pecadores, contemplando o Evangelho em seu conjunto, movidos pelo objetivo que nos fixamos neste comentário aos Evangelhos da Quaresma, de conhecer melhor quem era Jesus, o que sabemos historicamente d’Ele.
    É conhecida a acolhida que Jesus reserva aos pecadores no Evangelho e a oposição que isso causou por parte dos defensores da lei, que o acusavam de ser «um comilão e um beberrão, amigo de publicanos e pecadores» (Lc 7, 34). Um dos considerados historicamente como dos melhores discursos de Jesus enuncia: «Não vim para chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2, 17). Sentindo-se por Ele acolhidos e não julgados, os pecadores o escutavam com alegria.
    Mas quem eram os pecadores, que categoria de pessoas era designada com este termo? Alguém, na tentativa de exonerar os adversários de Jesus, os fariseus, sustentou que com este termo compreende «os transgressores deliberados e impenitentes da lei», em outras palavras, os criminosos, os fora-da-lei. Se assim fosse, os adversários de Jesus tinham toda a razão de escandalizar-se e de considerá-lo como uma pessoa irresponsável e socialmente perigosa. Seria como se hoje um sacerdote freqüentasse habitualmente mafiosos e criminosos e aceitasse seus convites para comer, sob o pretexto de falar-lhes de Deus.
    Na verdade, as coisas não são assim. Os fariseus tinham uma visão própria da lei e do que é conforme ou contrário a ela, e consideravam réprobos todos os que não se conformavam com sua rígida interpretação da lei. Pecadores, em resumo, eram para eles todos os que não seguiam suas tradições e imposições. Seguindo a mesma lógica, os Essênios de Qumran consideravam os próprios fariseus como injustos e transgressores da lei! Também ocorre hoje. Certos grupos ultra-ortodoxos consideram automaticamente como hereges todos que não pensam exatamente como eles.
    Um eminente estudioso escreve ao respeito: «Não é verdade que Jesus abria as portas do reino a criminosos empedernidos e impenitentes, ou negava a existência de ‘pecadores’. Jesus se opôs às acusações que se levantavam no corpo de Israel, pelas quais alguns israelitas eram tratados como se estivessem fora da aliança e excluídos da graça de Deus» (James Dunn).
    Jesus não nega que exista o pecado e que existam os pecadores. O fato de chamá-los de «doentes» o demonstra. Sobre este ponto é mais rigoroso que seus adversários. Se estes condenam o adultério de fato, Ele condena também o adultério de desejo; se a lei dizia não matar, Ele diz que não se deve sequer odiar ou insultar o irmão. Aos pecadores que se aproximam d’Ele, lhes diz: «Vai e não peques mais»; não diz: «Vai e segue como antes».
    O que Jesus condena é estabelecer por conta própria qual é a verdadeira justiça e desprezar os demais, negando-lhes até a possibilidade de mudar. É significativo o modo em que Lucas introduz a parábola do fariseu e do publicano. «Disse também a alguns que se tinham por justos e desprezavam os demais, esta parábola» (Lc 18, 9). Jesus era mais severo com aqueles que, com tom depreciativo, condenavam os pecadores, que com os próprios pecadores.
    Mas o fato mais novo e inaudito na relação entre Jesus e os pecadores não é sua bondade e misericórdia para com eles. Isso se pode explicar humanamente. Existe, em sua atitude, algo que não se pode explicar humanamente, isto é, sustentando que Jesus fosse um homem como os demais, e é o fato de perdoar os pecados.
    Jesus disse ao paralítico: «Filho, teus pecados te são perdoados». «Quem pode perdoar os pecados senão Deus?», gritam espantados seus adversários. E Jesus: «Para que saibais que o Filho do homem tem poder para perdoar os pecados, ‘Levanta-te’ — disse ao paralítico –, toma tua maca e vai para casa». Ninguém podia verificar se os pecados daquele homem tinham sido ou não perdoados, mas todos podiam constatar que se levantava e caminhava. O milagre visível testificava o invisível.
    Também o exame das relações de Jesus com os pecadores contribui para dar uma resposta à pergunta: Quem era Jesus? Um homem como os demais, um profeta, ou algo mais e diferente? Durante sua vida terrena, Jesus não afirmou jamais explicitamente que fosse Deus (e explicamos anteriormente também por que), mas atuou atribuindo-se poderes que são exclusivos de Deus.
    Voltamos agora ao Evangelho do domingo e à parábola do filho pródigo. Há um elemento comum que une entre si as três parábolas da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho pródigo, narradas uma após a outra no capítulo 15 de Lucas. O que diz o pastor que encontrou a ovelha perdida e a mulher que encontrou sua moeda? «Alegrai-vos comigo!». E o que diz Jesus como conclusão de cada uma das três parábolas? «Haverá mais alegria no céu por um pecador que se converta que por noventa e nove justos que não tenham necessidade de conversão».
    O leitmotiv das três parábolas é, portanto, a alegria de Deus. (Há alegria «ante os anjos de Deus» é uma forma hebraica de dizer que há alegria «em Deus»). Em nossa parábola, a alegria se transborda e se converte em festa. Aquele pai não cabe em si e não sabe o que inventar: ordena dar as vestes de luxo, o anel com o selo da família, matar o carneiro cevado, e diz a todos: «Comamos e celebremos uma festa, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado».
    Em uma obra sua, Dostoievski descreve uma cena que tem todo o ambiente de uma imagem real. Uma mulher do povo tem nos braços sua criança de poucas semanas, quando esta — pela primeira vez, diz ela — lhe sorri. Compungida, faz o sinal da cruz e a quem lhe pergunta o porquê daquele gesto, responde: «Assim como uma mãe é feliz quando nota o primeiro sorriso de seu filho, assim se alegra Deus cada vez que um pecador se ajoelha e lhe dirige uma oração com todo o coração» (L’Idiota, Milano 1983, p. 272). Talvez alguém, ao ouvir, decida dar finalmente a Deus um pouco dessa alegria, dar-lhe um sorriso antes de morrer…

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O silêncio


  • A cada dia mais nos encontramos imersos no barulho. O silêncio é, hoje mais do que nunca, um bem escasso. Estamos já acostumados a viver entre os ruídos da toda espécie; aos ruídos habituais da natureza ou aos domésticos, acrescentamos os necessários ruídos industriais das oficinas e fábricas. Avenidas e praças, pequenos povoados e grandes cidades são ruidosos, e o silêncio, como um perseguido, tem de se refugiar em lugares ermos e solitários de chácaras e aldeias, baixadas e colinas, de onde também é expulso nos fins de semana.
    Assusta-nos o silêncio? Tudo faz pensar que sim: quando entramos em casa, deixando para trás o ruído da rua, não damos conta de nos acostumar à oásis de paz e silêncio do lar; temos logo de ligar o rádio, o aparelho de som ou o televisor, porque no silêncio teríamos que nos confrontar com a nossa própria individualidade.
    O ruído, o vozerio ou o fragor nos projetam para “fora de nós”; o silêncio nos coloca frente a frente conosco mesmos, e isso não nos parece interessar.
    No silêncio, nos encontramos, e no silêncio podemos encontrar a Deus. A reflexão, a meditação e a contemplação precisam de silêncio. Deus não está nem no espantoso trovão nem no relâmpago intimidador; Deus está na brisa suave que reconforta o corpo e serena o espírito.
    Em nossas celebrações litúrgicas, a cada dia deixamos menos tempo ao silêncio, como se ele também a nós assustasse: canto, oração recitada, leitura, música de acompanhamento… E o silêncio?
    Tanto quem preside, como toda a assembléia celebrante, devemos recobrar e potencializar o valor do silêncio. A Quaresma é tempo oportuno para isso. Temos que nos educar à pedagogia do silêncio; que toda a assembléia se encontre unida, e também reunida, no silêncio.
    Silêncio de oração. Silêncio de contemplação. Silêncio de ação de graças. Silêncio de exame de consciência. Silêncios cheios da ação do Espírito em nós.
    Há silêncios eloqüentes e há os angustiantes.
    Há silêncios pesados e há os gratificantes.
    Há silêncios cheios e há os vazios.
    Que em nossas celebrações os silêncios sejam silêncios cheios de Deus.
    Dom Washington Cruz, CP