Total de visualizações de página

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A oração gera compromisso com os irmãos



  • Entrevista com o Frei Camilo Maccise, superior geral dos carmelitas descalços.  Por Frei Patrício Sciadini e José Ricardo F. Bezerra
    Frei Camilo Maccise, superior geral dos carmelitas descalços, esteve em Fortaleza, a convite do Frei Patrício Sciadini, para ministrar um curso sobre a Palavra de Deus. Aproveitamos a oportunidade para entrevistá-lo. Confira.
    Como o senhor vê este novo interesse pela oração que tem surgido em muitos países, em especial no Brasil?
    Frei Camilo: Este interesse é fruto de uma renovada consciência de valores. Além dos materiais, a pessoa tem valores e necessidades espirituais, precisa abrir-se à dimensão transcendente, para além das realidades temporais.
    É também fruto da idéia que hoje temos da oração como algo que não aliena da realidade, que é escuta de Deus para um compromisso com os irmãos. A oração cristã nos faz compreender que uma verdadeira experiência com Deus gera o amor e o serviço ao próximo. Precisamos viver a dimensão social do amor, a promoção humana, libertação e transformação das injustiças sociais.
    Os cientistas clonaram animais e agora anunciam a clonagem humana. O senhor vê isso como um sinal dos últimos tempos?
    Acredito que não seja um sinal dos últimos tempos, mas uma corrente que vai contra a dignidade da pessoa humana, contra o projeto de Deus em relação à comunicação da vida. É, sim, um sinal da dificuldade que hoje muitos têm de aceitar os limites de uma ética e de uma moral baseadas não só na religião, mas na essência da pessoa humana.
    Recentemente o senhor escreveu um livro sobre as Escrituras. Como surgiu seu amor pela Palavra de Deus e que conselho daria aos que iniciam esse caminho?
    Quando eu era estudante não tínhamos interesse pela Palavra de Deus, até porque as edições da Bíblia eram muito pobres, principalmente nos países da América Latina. Então, quando fui estudar Teologia, meu professor de Sagradas Escrituras me recomendou ler um livro que apresentava os grandes temas bíblicos. Comecei a perceber que a Palavra de Deus ilumina nossa vida e nos faz conhecer as raízes da espiritualidade cristã.
    No início, a Palavra de Deus parece um pouco incompreensível. É como chegar a uma cidade grande: precisamos de guia turístico, de alguém que nos revele a cidade. Por isso, é muito importante ler as notas das edições da Bíblia e também participar de um curso de iniciação bíblica, para podermos conhecê-la e “transitar” por ela, sem medo de nos perdermos.
    Aconselho ainda aos iniciantes que comecem pelos livros de poesia, os salmos, o livro de Jó, os profetas. Também os Evangelhos, porque são muito simples e, ao mesmo tempo, atingem os problemas reais da vida humana e oferecem uma resposta às grandes questões da humanidade: “Quem sou eu? Qual o meu destino? O que devo fazer? Qual o segredo da felicidade?”
    Qual o segredo para se fazer a leitura orante das Escrituras na vida ativa, em meio à pressa do dia-a-dia?
    Somos capazes de fazer muitas coisas quando estamos convencidos de sua utilidade. Precisamos de momentos de silêncio e solidão para refletir, devemos, pois, viver esses momentos à luz da Palavra de Deus. Portanto, quando a pessoa tem interesse por alguma coisa, encontra tempo sempre, mesmo se tem mil ocupações.
    Como devemos transformar a Bíblia no livro da nossa oração e como atualizar os salmos para o mundo de hoje?
    Podemos acreditar que é intenção de Deus fazer da Bíblia um livro de oração. E devemos sempre rezar a partir da nossa situação real: examinar os problemas, as dificuldades, as alegrias, as tristezas. Depois, procurar na Bíblia situações semelhantes, então, confrontando a nossa realidade com as Escrituras, teremos luz acerca do que devemos fazer e de como podemos resolver os nossos problemas, e também de como podemos ampliar os aspectos positivos de nossa vida.
    Como foi sua descoberta da vocação carmelitana?
    Descobri a vocação através do contato com um frade carmelita. Ele sempre visitava minha família e a partir daí comecei a pensar sobre minha vocação e missão no mundo. Acreditei que poderia ser sacerdote religioso, e pensei imediatamente no Carmelo, por causa do exemplo. Ele vivia muito bem sua espiritualidade e, ao mesmo tempo, era muito engajado com o povo, com os pobres; era um homem de grande oração, mas também de grande abertura aos problemas do mundo.
    Então, ingressei no Carmelo aos 13 anos. Naquele tempo tínhamos o Seminário Menor, se um jovem entrava com 18 anos, dizia-se que era uma vocação tardia.
    Como Superior Geral do Carmelo, como o senhor vê esta aceitação universal do Carmelo e o fato de tantos grupos se inspirarem na sua espiritualidade?
    Cada grupo, cada Instituto Religioso na Igreja, tem uma missão em determinados momentos da história. O carisma carmelitano está em sintonia com o momento atual da Igreja e da humanidade, que tem grande sede de espiritualidade, desejo de experimentar Deus e de relacionar a oração com o compromisso cristão.
    O grande teólogo, Ranner, diz: “O cristão, ou é um místico, ou não é cristão”. A missão do Carmelo é manifestar Deus presente no coração do mundo, e a oração e a contemplação como fontes de compromisso com os irmãos; acho que por isso é muito atual.
    Também os nossos santos ficaram em contato com a realidade das pessoas; São João da Cruz, por exemplo, ressalta muito a dignidade da pessoa: “Um pensamento da pessoa humana tem mais valor do que todo o mundo”. Também amaram a criação, souberam descobrir poeticamente nela a presença e a beleza de Deus. Por tudo isso, são compreendidos e buscados por todos.
    O que o senhor diria à Comunidade Shalom, que tem Santa Teresa como baluarte e Santa Teresinha como padroeira dos jovens, e aos outros grupos que bebem da fonte do Carmelo, diria que quase são carmelitas?
    Percebo cada grupo como um copo diferente: podem ter a mesma água – que seria a espiritualidade do Carmelo – mas têm forma e cor diferentes.
    É a grande riqueza dos carismas da Igreja, um carisma pode ter várias releituras; uma espiritualidade pode se encarnar, manifestar-se de modos diferentes. Acredito que seria muito importante fazer essa releitura da espiritualidade de Santa Teresa, de Santa Teresinha e dos santos do Carmelo, a partir do carisma deles. Seria também para todos nós e para a Ordem uma riqueza.
    O senhor poderia contar para os leitores o diálogo que teve com o Santo Padre João Paulo II sobre os doutores da Igreja?
    Por ocasião do doutorado de Santa Teresinha, tivemos uma audiência com o Santo Padre, e ele falou: “Vocês, carmelitas, têm 10% dos doutores da Igreja” – porque são trinta e três e nós temos três. E eu disse a ele: “Santidade, temos também 67% das mulheres doutoras da Igreja” – porque são três, e nós temos duas. Ele acrescentou: “E a mais jovem, Santa Teresinha”.
    O que significa ter no Carmelo esses três doutores?
    Significa que o ensinamento da Igreja, mais que uma reflexão, é uma experiência vital. Pois, mesmo São João da Cruz, que organizou sistematicamente o seu pensamento, fez isso a partir da experiência, e Santa Teresa e Santa Teresinha têm uma teologia da experiência. Isto significa que não é a Teologia como tal o maior ensinamento da Igreja, mas a experiência transformada depois em doutrina.
    Estamos comemorando os 75 anos do escapulário, e as pessoas perguntam: “Todos podem usá-lo ou só os carmelitas?”
    Todos podem usá-lo, pois o escapulário não significa que aquela pessoa que o usa participa de uma ordem carmelita secular.
    Com ele manifestamos um sinal de compromisso cristão com a fé, a esperança e a caridade; ele é sinal de uma confiança na proteção de Maria na nossa vida, é sinal de um compromisso de imitação da Virgem Maria, que é o modelo perfeito para o discípulo de Jesus. Portanto, todos podem colocá-lo; não é um privilégio, como antes, só dos carmelitas.
    O que senhor, que é um teólogo que sempre soube apreciar a dignidade da mulher, pode dizer para as mulheres de hoje?
    Quando Deus criou a pessoa humana, criou o homem e a mulher. Infelizmente, na Igreja e na sociedade, durante muitos séculos, só percebemos as coisas através da janela do homem. Nesses últimos tempos, na Igreja e na sociedade, tem-se aberto a janela da mulher, e o Papa João Paulo II, que conhece bem Edith Stein, escreveu pelo menos 25 cartas e mensagens sobre as mulheres, e fala sempre da necessidade que temos da perspectiva feminina na espiritualidade.
    As nossas santas são uma riqueza na Igreja, na teologia e em outros aspectos da vida da Igreja e da sociedade. Como as outras santas da Igreja, elas são uma manifestação de que a imagem de Deus não é completa se não temos também o aspecto feminino. O rosto paterno de Deus está no homem, e o materno na mulher.
    Quando falamos dos santos do Carmelo recordamo-nos do aspecto do sofrimento. O sofrimento santifica? Para sermos santos precisamos sofrer?
    O sofrimento é uma purificação. Para ser santo, é preciso sofrer de um modo ou de outro, porque o caminho da santidade é o caminho de Jesus Cristo. No mistério pascal de Cristo, temos o aspecto do sofrimento, mas também o da ressurreição; o que precisamos fazer é descobrir no sofrimento os sinais de vida e de ressurreição.
    O sofrimento faz parte da vida de todo aquele que acredita na doutrina e no exemplo de Jesus Cristo; não é buscado, mas aceito. Não ficamos só na sexta-feira da paixão, mas nos abrimos ao domingo da ressurreição.
    O sofrimento purifica as pessoas, tornando-as mais flexíveis e capazes de amar, acompanhar e entender os outros que sofrem. Temos a grande riqueza da fé, que ajuda a colocar o sofrimento na perspectiva do sofrimento de Cristo. Temos este privilégio, por isso devemos ajudar os outros, já que às vezes eles não têm a fé, e por isso abraçam um sofrimento muito maior. Além de dar aos outros a perspectiva do sofrimento no mistério pascal de Cristo, devemos ajudá-los a perceber a riqueza humana do sofrimento: ele amadurece e faz sermos mais compreensíveis com os irmãos.
    Qual a mensagem que o senhor deixa para os nossos Internautas?
    Não devem jamais esquecer a importância da oração cristã. Uma oração feita também no silêncio e na solidão, que ajuda os outros a encontrar momentos de deserto, zonas verdes na vida humana, para perceber qual o sentido da vida, qual o nosso papel no momento atual.
    Convido cada leitor a viver uma contemplação engajada, a saber escutar Deus, a louvá-lo com orações comunitárias, com cantos, mas sempre como fonte para um compromisso maior, porque é o amor que manifesta a autenticidade da oração cristã.
  • Nenhum comentário:

    Postar um comentário